sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Pequenas coisas do quotidiano em Luanda - Parte II

O Relógio

Sempre tive uma obsessão secreta pelas horas. Não por chegar a horas (para desespero de muitos) mas simplesmente por saber que horas são. Não é por nada de especial. Saber que horas são não me vai adiantar de muito se estiver atrasada. Mas convém saber quão atrasada estou, pelo menos para ir treinando a expressão facial autocomiserativa que será carinhosamente exportada para quem me espera. Mas eu não faço por mal. Distraio-me com as horas. Ou, distraio-me, só. E de repente, quando regresso a mim, já estou atrasada. Regra geral, os ponteiros andam mais depressa que eu própria.  

Por outro lado, estar adiantada é coisa rara no meu quotidiano.

Ou era.

É que desde que cá cheguei, tirei o meu relógio de pulso - aquele da Dolce Gabana, que me foi oferecido pelos meus Pais quando terminei a licenciatura em 2005 e que (religiosamente) uso todos os dias desde então - enfiei-o na gaveta da mesinha de cabeceira e nunca mais me lembrei dele.

Palavra.

É curioso, mas em Luanda sei sempre mais ou menos que horas são, sem necessidade de espreitar nenhum ponteiro. Há um decurso natural do tempo, nem é depressa, nem é devagar. É assim. O tempo parece ser o que realmente é.

E, sabendo sempre, naturalmente, que horas são, nunca me atraso. Porque continuo a distrair-me. Talvez a minha distracção tenha assimilado o decurso real do tempo, permitindo-me distrair conscientemente. Espero que consiga manter esta proeza quando regressar a Lisboa. 

Em suma, aqui a teoria da relatividade é uma fraude. Duvido que Einstein alguma vez tenha vindo a África. Ou pelo menos a Luanda.






1 comentário:

Inês disse...

Fi.,

É delicioso acompanhar o teu dia-a-dia africano. Nunca mais vais ser a mesma.

Acompanho todos os teus posts e só posso dizer que de África já não te safas!

Um beijinho enorme!
I.