sábado, 26 de fevereiro de 2011

Luanda - Benguela: a Odisseia - Parte IV

Domingo, 20 de Fevereiro:

Acordar às 8h30 da manhã não qualifica como "acordar com as galinhas" (aliás, em África, a essa hora, já o Sol é de meio-dia) mas graças às poucas horas de sono foi essa a sensação quando me levantei da cama. Não quer dizer que me tenha custado muito, antes pelo contrário. A adrenalina de estar em latitude e longitude desconhecidas vencem qualquer João Pestana.

O plano era rumar cedo à Baía Azul (praia situada a alguns quilómetros de Benguela). Enquanto uns finalizavam os preparativos para umas horinhas de lazer ao sol, outros (preguiçosos, como eu) foram dar uma voltinha a pé pelas ruas da cidade. O calor era verdadeiramente abrazador mas esta altura do campeonato não há calor que me demova.

Benguela é uma cidade catita. Mais que catita, é doce. É uma cidade doce. Eu, gulosa que sou, só me apetecia continuar por lá a lambuzar-me com as ruas largas, palmeiras gigantes, casas coloniais, cafés com esplanadas, vista para o mar e gente simpática. 

No regresso a casa, para cortar caminho, passámos rés-vés ao petit musseque que nasceu perto do centro. Vimos gente descontraída a conversar ao som de música africana, partilhando estendais e tachos, com as portas de suas casas escancaradas, como se não houvesse nada a esconder. Ou a guardar.

Talvez quem não tenha nada a esconder nem a guardar seja verdadeiramente feliz.

"Já estamos prontos!".

Chegámos à Baía Azul pouco depois das 11h00. Chovia. Palavra que chovia. Não sou uma pessoa derrotista mas já estava a pensar que aquilo era azar a mais. Sete horas de espera no aeroporto para apanhar chuva é muito azar. Irra!

Mas nem a chuva manchou a beleza da praia








"No Lobito não está a chover!"

E não estava. Foi então que tudo valeu a pena.









Se pudesse embrulhar a Restinga e levá-la comigo pagaria qualquer preço. Na verdade, se calhar até levo. E de graça.

O regresso foi pacífico. O vôo só se atrasou uma hora.








quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Luanda - Benguela: a Odisseia - Parte III

Sábado, 19 de Fevereiro, 17h00:

Chegada a Catumbela (aeroporto de Benguela). Gosto do nome de Catumbela e de Benguela. Têm qualquer coisa de quente, melódico, melancólico, distante e, ao mesmo tempo acolhedor e familiar. Além disso, rimam com um número infinito de palavras, o que dá um jeitão para os poemas pirosos que gosto de inventar.

Hoje fui a Catumbela
Levei a minha chinela
E uma flor amarela,
Ai que estava tão bela!
E quando dei por ela
Já estava lá em Benguela
A pintar uma aguarela
Pendurada à janela.

(podia continuar eternidade fora, mas vou guardar o resto para uma próxima oportunidade, para não gastar o repertório).


Faltou pouco para me ajoelhar e beijar o chão, tal era a alegria de estar em solo firme, rodeada de pessoas que me são queridas e de quem já tinha tantas saudades. Só não o fiz porque a chuva arreigada (que tinha começado a dar o ar da sua graça mal aterrámos) ia arruinar o meu penteado. Mentira, que àquela altura já não tinha penteado - na realidade nunca o tive - e o drama nunca me assentou muito bem.

Optei por relaxar e aproveitar o tour magnífico pelas ruas de Benguela que os meus primos generosamente nos proporcionaram.

Fiquei logo consolada:






Depois do tour, nada melhor que um autêntico jantar caseiro luso-africano, não sem antes saborear a paracuca mais gulosa que já comi. Paracuca é uma espécie de amendoim (pequenino) que é tostado e depois pacientemente caramelizado. Preciso de dizer mais alguma coisa? Preciso: este levava canela. Quais amêndoas da Páscoa, quais ovos de chocolate: o coelhinho devia era andar a distribuir paracuca com canela mundo fora e de certeza que toda a gente seria muito mais feliz. Excepto a minha Mãe, que gosta tanto de canela como eu de queijo. Faziam-se uns especiais, acho que ninguém levaria a mal.

Claro que a paracuca era acompanhada com cerveja Cuca. Cuca paracuca. E não era uma Cuca qualquer - era a Cuca da Catumbela - que é especialmente fantástica pelas características da água da zona.

"Filho, vai comprar-me arroz por favor. É do carolino".

E lá fomos ao mini-mercado para suprir a falta. Ao contrário do que acontece em Luanda, em Benguela duas moças de tenra idade e um cavalheiro de 14 anos podem andar a pé, à noite, com tranquilidade e descontracção. Um desconhecido lá me cravou o cigarrinho da praxe, mas lume é que já não lhe podia oferecer, graças ao Sr. Agente.

O mini-mercado (um dos vários que se encontravam abertos) estava incrivelmente mais bem apetrechado e asseado que os de Luanda. Só não havia era arroz carolino, mas quem come carolino também come agulha.

Cumprida a missão, regressámos a casa. O menu do jantar amavelmente preparado pelos meus primos (segundo consta, mais ele que ela) consistia numa entrada de ameijoas à bulhão pato, seguida de alheira, chouriço e carne de porco grelhada com arroz (agulha). Estava d'aqui. Muito obrigada meus queridos primos.

A chuva já tinha dado tréguas e o calor - para minha alegria - convidava a mais umas Cucas... fora de casa.

Fomos parar ao Ferro Velho, um bar onde se ouve de tudo um pouco, se vê de tudo um pouco e se canta de tudo um pouco. Até houve quem cantasse a "Pedra Filosofal" num (in)feliz dueto feminino. A de calças brancas tinha uma linda voz, já a outra... Valha-nos a Cuca da Catumbela.

"Rita, queres vir beber um copo?"

"Ok, encontramo-nos aí no Ferro Velho! Vou com uns amigos e depois vamos dançar um bocadinho!"

Não me fiz de rogada para dar um salto à disco dance da moda, acabadinha de inaugurar, chamada D. Q. (lê-se Dom "Qiu" - diminutivo de D. Quixote, para os amigos).Dava 10 a 0 a muitas discotecas de Lisboa. Enorme, arejada, com vários espaços (exteriores e interiores), 3 disk jokeys' e música para todos os gostos. Lá se dançou mais um bocadinho de kizomba e mais um bocadinho de samba (não semba, que isso ainda é muito à frente para mim).

A noite acabou pelas 3h30, hora razoável para quem ia madrugar e aproveitar o pouco tempo que restava do dia seguinte na Província. É que o avião de regresso a Luanda era às 15h45. Mas o melhor era não pensar muito nisso.

"Até um dia, Rita!"




terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Luanda - Benguela: a Odisseia - Parte II

Sábado, 09h00, sala de embarque do Aeroporto Internacional 4 de Fevereiro:

"O avião ainda não chegou".

Na certeza de que apenas por milagre embarcaria à hora prevista - 09h15 - sentei-me o mais confortavelmente possível nas cadeiras de plástico viradas para a pista de aterragem, à espera que alguém gritasse "Benguela - Ongiva" junto a uma das três portas de vidro que faziam as vezes de gates.

Ongiva era o destino final do nosso vôo embora fizesse uma pequena paragem em Benguela para deixar sair alguns passageiros. Aquele avião era, como mais tarde se veio a revelar, um verdadeiro candongueiro do ar.

Deu-me a fome. Na cafetaria vendiam tostas mistas a 500 kwanzas (sensivelmente 4 €) e, para minha alegria, batido de abacate, do qual recentemente me tornei adepta incondicional. Vá, quase incondicional.

"São 1.300 kwanzas".

"Afinal quero só a tosta".

É que é preciso ter muito pouco amor ao dinheiro para dar mais de 10 € por uma tosta e um batido. Além disso não tinha assim tanta fome. Era só larica. Foi a tosta mais raquítica que comi na vida mas soube-me que nem ginjas.

"Agora é que ia um cigarrinho." Alto, que a ideia não foi minha. Foi da Rita, a amável transeunte com quem travámos conhecimento enquanto aguardávamos pelo check in. Vi logo que ela era das minhas. E também ia para Benguela. O problema é que não havia espaço para fumadores.

"Sr. Agente, deixa-nos ir fumar um cigarro lá fora?"

Não me lembro quantas vezes repetimos esta pergunta. Só sei que o "Sr. Agente" me ia ficando com isqueiros cada vez que regressávamos à sala de embarque. "Quando quiser ir fumar outra vez eu devolvo-lho". Pois claro. Nunca mais os vi.

A coisa boa é que nestas escapadelas tabágicas a Rita ia-me contando sobre o trabalho de voluntariado que os Leigos para o Desenvolvimento andam a fazer em África. É inspirador. Uma lição que nos ensina a relativizar o quotidiano medíocre em que nos deixamos hipnotizar.

Já passava das 11h30 quando ouvimos o grito que nos dizia respeito. Finalmente, Benguela, cá vou eu!

Já sentadinha no avião, apercebi-me que no mesmo vôo ia também, em peso, a equipa inteira do Sport Luanda e Benfica. O Sport Luanda e Benfica - SLB - tem exactamente as mesmas cores e símbolos que o Sport Lisboa e Benfica. Iguais, sem tirar nem pôr. Com  direito a águia dourada e tudo. Espero que a Administração do SLB Português tenha conhecimento do seu gémeo Africano.

Caso contrário, e o Benfica Português pretenda usufruir do privilégio de contactar com a sua cara metade Angolana, ofereço-me desde já (como boa Sportinguista que sou) para fazer as apresentações. Pode ser que negoceiem um franchising. O SLB Português só ficaria a ganhar - os rapazes pareciam todos excelentes atletas. O pior foi quando se descalçaram.

Tudo corria já de feição. Ou quase, um pouco de ar condicionado teria sido agradável. Foi então que o Sr. Piloto conduziu o avião até à pista de descolagem, ligou as turbinas, aqueceu os motores, ganhou velocidade e zás! Travagem brusca.

?

Toca a fazer inversão de marcha em plena pista de descolagem. Nesse momento percebi que é nestas que dava jeito que os aviões tivessem marcha atrás - nunca se sabe quando é que vai ser necessário recuar.

Regressados ao ponto de partida para recomeçar o vôo, as turbinas ligadas, os motores aquecidos, a velocidade atingida (já na fase do estômago se colar às costas) e zás! Travagem brusca.

????????????????!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!??????????????

"Senhores passageiros, por motivos de ordem técnica teremos de regressar à base."

Se calhar não tinham percebido à primeira. A segunda foi só para ver se estávamos distraídos.

É preciso estar em África para perceber estas coisas. É preciso estar em África para encarar com alguma naturalidade uma espera de mais de 2h30, dentro do avião - já que não deixavam sair nenhum passageiro - sem ar condicionado ou qualquer explicação sobre o que estava a acontecer. É preciso estar em África para aceitar com razoável tranquilidade que passado quase 3 horas mandassem desembarcar toda a gente. É preciso estar em África para compreender que "o problema técnico já se encontra resolvido há muito tempo, mas estamos à espera de nova tripulação, porque o nosso horário já terminou". Até aqui, sem makas. Não adianta xinguilar. Quero é ir para Benguela, que tenho família à espera.

Mas voltar a embarcar no mesmíssimo avião, que três horas antes tinha apresentado problemas técnicos duvidosamente resolvidos, requer muito mais que estar simplesmente em África. Requer ser-se estúpido. Como eu. Como a amiga que ia comigo. Como a Rita. Como a equipa do Sport Luanda e Benfica (desfalcada, porque alguns dos atletas tiveram um rasgo de lucidez e ficaram em terra).

Eu sempre adorei andar de avião, sentir a adrenalina da descolagem, o suspense da aterragem e espreitar constantemente, pela escotilha embaciada e fosca, a vida pequena lá em baixo.

Desta vez nada disso aconteceu. Foi como se estivessem a arrancar-me um dente, mas em vez do dente, era a vida.

Há sempre uma primeira vez para temer pela vida. Espero que a próxima não resulte de um acto voluntário. Em caso afirmativo, internem-me.

Tive sorte.






Luanda - Benguela: a Odisseia - Parte I

Sábado, 19 de Fevereiro, 06h50:

Chegámos alegremente ao Aeroporto Internacional de 4 de Fevereiro (Luanda)  para uma expedição relâmpago à desejosa Benguela. O entusiasmo escondia o cansaço de uma semana fatigante e a expectativa da viagem enganava qualquer bocejo.

"Prima, chego a Benguela às 10h30!"

"Cá vos esperamos! Façam boa viagem!"

Apesar de ser um vôo interno de 45 minutos, ditam as regras da TAAG que o check in deve ser feito com duas horas de antecedência da hora marcada para descolagem. Já perdi uma vez um vôo (em Barcelona) e foi uma experiência suficientemente humilhante para não querer repeti-la. Muito menos em Luanda. Desde então que tenho um respeitinho aos horários dos vôos e dos check ins que ninguém imagina. Mesmo que quem os dite seja a TAAG, a única companhia aérea que desconfio nunca ter conseguido satisfazer um único passageiro. Nem um.


Por esse motivo fiz questão de madrugar e assegurar o meu lugar na fila desengonçada que se formou à frente do estaminé da TAAG.

O Aeroporto 4 de Fevereiro até pode ser internacional mas é um internacional Angolanizado. Ou seja, ser internacional é uma mera fatalidade, completamente irrelevante, que em nada afecta o modus operandi  habitualmente praticado por cá. Quem está mal, que se mude.

Chegados à frente do estaminé da TAAG, o peremptório funcionário que lá se encontrava informou que o check in para Benguela ainda não tinha aberto. Já eram quase 8h da manhã, mas compreendemos. Atrasos há em todo o lado. Em Lisboa é o pão nosso de cada dia.

Às 8h30 é que a coisa já não cheirava lá muito bem, dado que a descolagem estava prevista para as 9h15. O que nos valeu foi uma amável transeunte, de nome Rita, com quem acabámos por travar conhecimento, e que "já estava habituada", assegurando-nos que era uma situação "normal".

E era. Porque com a TAAG nunca se sabe. (não é, mas podia ser o novo slogan da TAAG - reclamo desde já todos os direitos de autor).

Quando vinte minutos depois nos informaram afinal o check in já estava fechado duvidei da minha sanidade mental. Não fosse a tranquilidade da Rita - de quem já passou por estas peripécias vezes sem conta - teria esbofeteado violentamente o funcionário, fosse ele peremptório ou não.  

"Não te preocupes, eles deixam passar."

E deixaram.

Revendo o meu bilhete, um outro funcionário (menos peremptório, mas nem por isso mais acertivo) perguntou-me se eu era criança.

"Tenho um ar jovem, mas não tanto" pensei.

"É que o seu bilhete diz Miss. Miss são crianças dessa altura" - e exemplificou com a mão horizontalmente hirta abaixo da cintura. Considerando que se encontrava sentado, eu teria de ser cinematograficamente baixa ou talvez um recém-nascido para poder viajar com aquele bilhete.

"Ai sim?" Indaguei com os olhos esbugalhados e a expressão mais estúpida e desentendida que consegui transmitir. É que se dissesse lá Mr. ainda faria voz grossa, mas aqueles parâmetros eram inatingíveis.

Olhou para mim como se fosse loura e lá carimbou o papelito, desejando-me boa viagem.

Quando finalmente entrei na sala de embarque suspirei de alívio.

Mal sabia eu a quantidade de suspiros que me estavam reservados nesse dia.











quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Pequenas coisas do quotidiano em Luanda - Parte III

O cabelo

Cortei o cabelo antes de vir para Luanda. Eu, que detesto cabeleireiros, decidi dedicar uma hora do meu dia à camada pilosa que cobre o meu magnífico cérebro. 

"Tem o cabelo tão seco, vou fazer-lhe um tratamento..."

Como sempre, saí do cabeleireiro a pensar que foi o tempo e o dinheiro mais mal gastos da minha vida.

Não que o corte tenha ficado mau, até ficou bastante catita. E ainda fui presenteada com uma demorada massagem ao couro cabeludo que me soube que nem ginjas e quase acalmou a ansiedade pré-Luanda.

Mas deixar de almoçar (prazer que raríssimas vezes abdico) em troca de uma modificação temporária de resultados incógnitos e irrelevantes para a minha felicidade e para a minha aparência geral foi, a bem dizer, estúpido.

E ainda mais estúpido é se considerar que, nesta terra e com este clima, é completamente impossível reproduzir com o mínimo de semelhança a configuração que o profissional de cabelos conseguiu esculpir na minha cabeleira com tamanha arte e perícia.

É que ter cabelo frisado, aqui, tem solução. Vai-se ao cabeleireiro e faz-se um desfrisamento (ou outra coisa qualquer que a minha ignorância capilar me impede de pronunciar). Ou então usa-se ao natural. Ou faz-se trancinhas. O look africano tem a vantagem de permitir mil e uma rebeldias e, ainda assim, manter toda a dignidade. Se me atrevesse a tais aventuras mais pareceria estar a atravessar uma crise de adolescência tardia. Ou pior.

O cabelo ondulado e volumoso é muito mais complicado neste lado do Planeta. Desfrisar não adianta porque não tira o volume. Esticar é mentira porque a persistente humidade enrola novamente todo e qualquer fio de cabelo. 

Até podia usar despreocupadamente a minha farta cabeleira ao vento, como uma verdadeira indigente. Sim, porque perderia certamente o emprego. Mas o maior problema é a franja (outra bela ideia que me ocorreu durante a massagem capilar - devia estar em transe).

Valha-me o rabo de cavalo e os ganchinhos. Não fora isso, bem poderia recomeçar a carreira do Serafim Saudade...




terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Parabéns Papá!!

Hoje era capaz de deixar este calor enebriante e mergulhar no clima mais gélido e mais tenebroso só para poder abraçar o meu Pai e dizer-lhe, olhos nos olhos, as saudades que tenho dele.

A minha rocha e o meu refúgio.

Parabéns meu querido Pai.

Dedico-lhe a música que tenho ouvido dezenas de vezes seguidas nos últimos dias.



sábado, 12 de fevereiro de 2011

Luanda - Sangano

Fui a Sangano no fim de semana passado.

Sangano é uma localidade litoral que fica a cerca de 90 km a Sul de Luanda, mas é como se ficasse a 300 km. Isto porque atravessar a Estrada de Benfica (sim, em Luanda também há uma Estrada de Benfica) em pleno "Dia de Início de Luta Armada" (4 de Fevereiro) consegue ser exponencialmente mais complicado que o trajecto via 2ª circular Benfica - Campo Grande nas horas de ponta em dia de chuva intensa.

Ao longo da Estrada de Benfica somos persistentemente abordados por vendedores ambulantes que nos exibem garrafinhas de água, cerveja, desodorizantes para o carro, cartões de carregamento para telemóvel, carregadores de telemóvel para automóveis (de todas as marcas), cd's, tabaco, batatas fritas, óculos de sol e tudo mais o que possa ser eventualmente necessário (ou não) no pequeno longo trajecto que nos espera.

Vêem-se a cada 20 metros barraquinhas que vendem fruta, água, colchões insufláveis, chapéus de sol, mandioca cortada aos quadrados embrulhada em sacos de plástico, refrescos, cadeiras de praia, redes, peixe fresco (ou nem tanto, já que estava ao sol), geleiras e um manancial de outras coisas que dificilmente se obtêm num qualquer hipermercado em Lisboa.

Terminado o calvário da Estrada de Benfica e ainda com alguns 70 km pela frente, parámos  no "Miradouro da Lua". A paisagem fala por si.







Mais à frente,a chegar à Barra do Kwanza, parámos para beber uma Cuca (que acabou por ser Carlsberg) num stand meio improvisado meio definitivo. Nem por isso nos sentimos menos bem-vindos.




Não sei quem estava mais curioso e alegre: se eu, se estas crianças.


Deu-me vontade de sair porta fora do carro e juntar-me aos seus sorrisos.

Mas Sangano esperava-nos e continuámos caminho, já sem trânsito, acompanhados pelos centenários imbondeiros que brotavam da berma da estrada, cada um com um feitio mais retorcido que o outro.

E eis que chegámos à nossa estância balnear. A paisagem compensou qualquer calvário.







Lá chegados, e perante este cenário, foi com entusiasmo que ajudei a montar a tenda para passar a noite. A perspectiva de um arroz de lagosta acompanhado com Gazela e um mergulho nocturno em águas mornas entusiasma qualquer um. Ao som de uma viola, cantares improvisados e à luz de uma (quase) fogueira, acabou por ser um serão muito bem passado.

 Foi a primeira vez que fiz campismo selvagem. Primeira e última, a não ser que vá ao engano.

O arroz de lagosta estava excelente (eu pelo menos achei, mas também não trato lagostas por tu), o mergulho nocturno foi absolutamente refrescante (face aos 30 º C que se faziam sentir) mas dormir foi impossível.

O calor e os mosquitos que alegremente dançavam na minha bochecha direita, que por pouco quase ficou como a paisagem do Miradouro da Lua, impeliram-me para fora da tenda. Repelente? Repelente europeu não resulta em mosquito africano. Para eles é tempero.

Já deitada cá fora, relativamente mais confortável (ao menos passava uma ligeira brisa) até pensei:

"Podia ser pior, ao menos não está a chover".

Quando senti um baque seco (e ao mesmo tempo húmido) na minha testa lembrei-me das Leis de Murphy.

Mas preferi continuar à chuva (apenas umas gotinhas para os parâmetros africanos) que voltar para dentro da sauna em que se tinha transformado a tenda.

O que vale é que no outro dia ainda era Sábado. Enchi-me de protector solar (mais um pequeno milagre africano, para quem me conhece e sabe que sou adepta de escaldões) e arrochei em todas as sombras que fui encontrando.

Rematámos o Sábado com um arroz de peixe de recarregar baterias e voltámos para Luanda. O regresso foi pacífico e silencioso, a pensar em lençóis frescos e num banho de água doce.

Fica a viagem, a paisagem, o arroz de lagosta, os momentos com os amigos e uma pequena aventura.

Pode ser que vá ao engano mais algumas vezes.




sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Pequenas coisas do quotidiano em Luanda - Parte II

O Relógio

Sempre tive uma obsessão secreta pelas horas. Não por chegar a horas (para desespero de muitos) mas simplesmente por saber que horas são. Não é por nada de especial. Saber que horas são não me vai adiantar de muito se estiver atrasada. Mas convém saber quão atrasada estou, pelo menos para ir treinando a expressão facial autocomiserativa que será carinhosamente exportada para quem me espera. Mas eu não faço por mal. Distraio-me com as horas. Ou, distraio-me, só. E de repente, quando regresso a mim, já estou atrasada. Regra geral, os ponteiros andam mais depressa que eu própria.  

Por outro lado, estar adiantada é coisa rara no meu quotidiano.

Ou era.

É que desde que cá cheguei, tirei o meu relógio de pulso - aquele da Dolce Gabana, que me foi oferecido pelos meus Pais quando terminei a licenciatura em 2005 e que (religiosamente) uso todos os dias desde então - enfiei-o na gaveta da mesinha de cabeceira e nunca mais me lembrei dele.

Palavra.

É curioso, mas em Luanda sei sempre mais ou menos que horas são, sem necessidade de espreitar nenhum ponteiro. Há um decurso natural do tempo, nem é depressa, nem é devagar. É assim. O tempo parece ser o que realmente é.

E, sabendo sempre, naturalmente, que horas são, nunca me atraso. Porque continuo a distrair-me. Talvez a minha distracção tenha assimilado o decurso real do tempo, permitindo-me distrair conscientemente. Espero que consiga manter esta proeza quando regressar a Lisboa. 

Em suma, aqui a teoria da relatividade é uma fraude. Duvido que Einstein alguma vez tenha vindo a África. Ou pelo menos a Luanda.






quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Pequenas coisas do quotidiano em Luanda - Parte I

De manhã

Acordo cedo. Acordo cedo espontaneamente. Acordo cedo espontaneamente bem disposta. Acordo cedo espontaneamente bem disposta quase todos os dias.

Quem me conhece, e já sentiu na pele o meu feroz humor matinal (igual à de um urso polar abruptamente resgatado do sono em plena época de hibernação), dirá que é um milagre.

Parece ridículo, mas para quem muitas vezes já se deixou dormir com o despertador a azucrinar selvaticamente no ouvido este é, seguramente, um momento a assinalar.

Mas não exageremos, que também não é por isso que me levanto alegre e lampeira. Para isso é preciso mais que um milagre. Talvez dez.

Fico só mais um bocadinho, só mais cinco minutos, só mais dez minutos, só até o rádio tocar. Mas em vez do habitual sofrimento que o despertar me oferece, sou brindada com sensação reconfortante de quem sabe que lá fora é Verão. Está sol ou pelo menos calor. Não tenho de calçar meias nem botas nem luvas nem usar chapéu de chuva. Não tenho de calçar chinelos nem vestir roupão. O ar quente eleva-me e só tenho que deixar-me ir.

"Está calor" é a verdade insofismável e irredutível desta terra.

Faz lembrar aquelas manhãs de férias de Verão, rodeada de expectativas de maresia, de gelados, de marisco, de refrescos e a alegria imensa de não saber o que se espera.

Pena não estar de férias.


segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Parabéns Mamã!

Hoje queria estar em Lisboa. Só por um bocadinho, só por uns instantes, só por uns segundos, só para dar aquele abraço apertado e aquele beijinho especial à minha querida Mãe.

Para a minha Mãe, que tudo merece, não tenho outro presente a não ser esta saudade.

Dedico-lhe uma música que não me tem deixado o ouvido e o pensamento nos últimos dias.



Parabéns Mamã.

E para a semana será o meu Pai!

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Viagem à pastelaria Nilo

Há mais que uma pastelaria Nilo em Luanda e estou quase convencida que é um franchising. Já bebi uma bica pelo menos em duas.

As portas de vidro, uma a dizer "entrada" e outra a dizer "saída" oferecem-nos a expectativa de ar condicionado.

Ar condicionado? Tem. Mas não há.

Depois do pré-pagamento - que se atrasa ligeiramente pela falha de electricidade momentânea - dirijo-me ao balcão e por instantes diria que tinha entrado na Cister (confeitaria do Príncipe Real). Pastéis de nata, bolas de berlim, palmiers, rins, pastéis de feijão, pães com chouriço, bolos de arroz, papo-secos, tudo com ar delicioso.

"É cheia?"
"Não, é normal."

E a funcionária, com um sorriso desconfiado, na sua farda quase impecável, rosa e branca, touca na cabeça e havaianas nos pés (a condizer com a indumentária) entrega-me minutos depois uma das bicas mais bem tiradas que já bebi.

"É mais um pastel de nata por favor."

Futuramente, vou ficar só pela bica.


terça-feira, 1 de fevereiro de 2011