Sábado, 09h00, sala de embarque do Aeroporto Internacional 4 de Fevereiro:
"O avião ainda não chegou".
Na certeza de que apenas por milagre embarcaria à hora prevista - 09h15 - sentei-me o mais confortavelmente possível nas cadeiras de plástico viradas para a pista de aterragem, à espera que alguém gritasse "Benguela - Ongiva" junto a uma das três portas de vidro que faziam as vezes de gates.
Ongiva era o destino final do nosso vôo embora fizesse uma pequena paragem em Benguela para deixar sair alguns passageiros. Aquele avião era, como mais tarde se veio a revelar, um verdadeiro candongueiro do ar.
Deu-me a fome. Na cafetaria vendiam tostas mistas a 500 kwanzas (sensivelmente 4 €) e, para minha alegria, batido de abacate, do qual recentemente me tornei adepta incondicional. Vá, quase incondicional.
"São 1.300 kwanzas".
"Afinal quero só a tosta".
É que é preciso ter muito pouco amor ao dinheiro para dar mais de 10 € por uma tosta e um batido. Além disso não tinha assim tanta fome. Era só larica. Foi a tosta mais raquítica que comi na vida mas soube-me que nem ginjas.
"Agora é que ia um cigarrinho." Alto, que a ideia não foi minha. Foi da Rita, a amável transeunte com quem travámos conhecimento enquanto aguardávamos pelo check in. Vi logo que ela era das minhas. E também ia para Benguela. O problema é que não havia espaço para fumadores.
"Sr. Agente, deixa-nos ir fumar um cigarro lá fora?"
Não me lembro quantas vezes repetimos esta pergunta. Só sei que o "Sr. Agente" me ia ficando com isqueiros cada vez que regressávamos à sala de embarque. "Quando quiser ir fumar outra vez eu devolvo-lho". Pois claro. Nunca mais os vi.
A coisa boa é que nestas escapadelas tabágicas a Rita ia-me contando sobre o trabalho de voluntariado que os Leigos para o Desenvolvimento andam a fazer em África. É inspirador. Uma lição que nos ensina a relativizar o quotidiano medíocre em que nos deixamos hipnotizar.
Já passava das 11h30 quando ouvimos o grito que nos dizia respeito. Finalmente, Benguela, cá vou eu!
Já sentadinha no avião, apercebi-me que no mesmo vôo ia também, em peso, a equipa inteira do Sport Luanda e Benfica. O Sport Luanda e Benfica - SLB - tem exactamente as mesmas cores e símbolos que o Sport Lisboa e Benfica. Iguais, sem tirar nem pôr. Com direito a águia dourada e tudo. Espero que a Administração do SLB Português tenha conhecimento do seu gémeo Africano.
Caso contrário, e o Benfica Português pretenda usufruir do privilégio de contactar com a sua cara metade Angolana, ofereço-me desde já (como boa Sportinguista que sou) para fazer as apresentações. Pode ser que negoceiem um franchising. O SLB Português só ficaria a ganhar - os rapazes pareciam todos excelentes atletas. O pior foi quando se descalçaram.
Tudo corria já de feição. Ou quase, um pouco de ar condicionado teria sido agradável. Foi então que o Sr. Piloto conduziu o avião até à pista de descolagem, ligou as turbinas, aqueceu os motores, ganhou velocidade e zás! Travagem brusca.
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Toca a fazer inversão de marcha em plena pista de descolagem. Nesse momento percebi que é nestas que dava jeito que os aviões tivessem marcha atrás - nunca se sabe quando é que vai ser necessário recuar.
Regressados ao ponto de partida para recomeçar o vôo, as turbinas ligadas, os motores aquecidos, a velocidade atingida (já na fase do estômago se colar às costas) e zás! Travagem brusca.
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"Senhores passageiros, por motivos de ordem técnica teremos de regressar à base."
Se calhar não tinham percebido à primeira. A segunda foi só para ver se estávamos distraídos.
É preciso estar em África para perceber estas coisas. É preciso estar em África para encarar com alguma naturalidade uma espera de mais de 2h30, dentro do avião - já que não deixavam sair nenhum passageiro - sem ar condicionado ou qualquer explicação sobre o que estava a acontecer. É preciso estar em África para aceitar com razoável tranquilidade que passado quase 3 horas mandassem desembarcar toda a gente. É preciso estar em África para compreender que "o problema técnico já se encontra resolvido há muito tempo, mas estamos à espera de nova tripulação, porque o nosso horário já terminou". Até aqui, sem makas. Não adianta xinguilar. Quero é ir para Benguela, que tenho família à espera.
Mas voltar a embarcar no mesmíssimo avião, que três horas antes tinha apresentado problemas técnicos duvidosamente resolvidos, requer muito mais que estar simplesmente em África. Requer ser-se estúpido. Como eu. Como a amiga que ia comigo. Como a Rita. Como a equipa do Sport Luanda e Benfica (desfalcada, porque alguns dos atletas tiveram um rasgo de lucidez e ficaram em terra).
Eu sempre adorei andar de avião, sentir a adrenalina da descolagem, o suspense da aterragem e espreitar constantemente, pela escotilha embaciada e fosca, a vida pequena lá em baixo.
Desta vez nada disso aconteceu. Foi como se estivessem a arrancar-me um dente, mas em vez do dente, era a vida.
Há sempre uma primeira vez para temer pela vida. Espero que a próxima não resulte de um acto voluntário. Em caso afirmativo, internem-me.
Tive sorte.
6 comentários:
Socorrooooooooooooooooooooo!!!
Ainda há mais partes??? EU acho que não tinha aguentado... E se o avião não tinha problemas técnicos... ia ter... e ia ser eu a provocá-los...
Socorroooooooooooo!!!
Não me digas que há uma terceira parte....
:o)
eheheh. há sim, mas agora são só coisas boas!
É como tu dizes: Sem Maka...
lol
O que eu fazia era fechar os olhos e rezar muito, mesmo muito!! POrque eu também sou muito burrinha as vezes (há quem me chame destemida, mas é mesmo burrice, eu sei)
bjs
Muito bom!
Ja estou a ver a mini serie.
Beijocas
Ficaste ainda mais branca, não???
Que medo!!!
Aguardo capítulo III.
Beijinhos
@ Patita: só tem coragem quem tem medo!! ;)
@ James: está bem: tu fazes de Sr. Agente.
@ Lena: Sem pinga de sangue!
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