A minha estadia em Luanda foi inaugurada com um episódio memorável. Houve muitos, a maior parte já exaustivamente relatados por estas bandas. Mas este específico episódio manteve-se oculto da blogosfera até hoje para impedir sobressaltos por quem me seguia ao longe. E para impedir que os meus Pais enviassem uma comitiva de resgate em minha busca, criando um incidente diplomático. Não tenho dúvidas que se barricariam na Embaixada de Angola em Lisboa até serem ouvidos por José Eduardo dos Santos e o convencerem a mandar as suas tropas de elite para me resgatarem. E ai de alguém que se metesse no caminho.
Como Portugal já se encontra, neste momento, a braços com a sua própria sobrevivência, achei melhor evitar o constrangimento internacional e optei por lhes contar só no dia do meu regresso, sã e salva.
No dia seguinte à minha chegada, depois de um inesperado convite para participar num alambamento (uma espécie de festa de noivado), resolvemos dar um pezinho de dança numa discoteca próxima.
Estava acompanhada por mais duas moças e um cavalheiro, o condutor, que nos aconselhou a deixar as malas no carro. Apenas uma de nós foi inteligente o suficiente para o fazer. Naturalmente que não fui eu, que precisava da mala para guardar o tabaco.
Estacionado o carro quase à entrada de um musseque e já a caminho da discoteca, a poucos metros do veiculo, o cavalheiro teve que regressar ao dito para ir buscar o telemóvel, do qual se havia esquecido.
Ficámos as três à espera que o cavalheiro regressasse, animadamente tagarelando, quando calmamente se aproximaram dois indivíduos que, interrompendo as nossas gargalhadas (sacanas!), agarraram a minha bolsa (que trazia à tiracolo) e com três esticões - talvez mais, não sei ao certo - conseguiram separá-la da alça que a prendia ao meu ombro. O insitinto impeliu-me a resisitir, mas a minha argumentação ("Não! Não Não!") foi pouco convincente.
Ao mesmo tempo, uma das outras moças, que também trazia uma pequena malinha à tiracolo, foi brindada com a mesma sorte, mas no meio da confusão caiu ao chão e acabou descalça. Agarrou no sapato e ainda correu alguns metros atrás dos indivíduos, convencida que os demovia com uma sandália na mão, e só parou quando eles se enfiaram no meio do musseque, por uma rua estreita e sem luz. Ali uma sandália não lhe valeria de muito.
A outra moça gritava por socorro ao cavalheiro que imediatamente veio a correr.
EPÁ! NÃO FAÇAM ISSO!! NÃO FAÇAM ISSO!
Mais um bocadinho e quase os convencia. Acho que até os vi hesitar.
Nunca mais os vimos. Nem às malas. A sorte é que nenhuma de nós levava documentos. O chato foi que fiquei sem chave para entrar em casa. E o que vale é que estava rodeada por pessoas generosas que me acolheram no seu lar, sem me conhecerem de lado nenhum. Pessoas que hoje têm em mim uma amiga.
Podia ter acontecido em qualquer parte do mundo. O assustador no meio desta história toda é que, em Luanda, não há ninguém a quem se possa recorrer nestas situações. E isso não acontece em qualquer parte do mundo.