terça-feira, 4 de setembro de 2012

As ratazanas do ar.

Se há criatura que (infelizmente) é completamente invulnerável às intempéries da crise é o pombo. É pior que a barata, que a traça, que a pulga, que a formiga ou que a Troika. É uma autêntica praga nacional, vivida com particular intensidade na cidade de Lisboa.

Não pode ter passado despercebido a ninguém o excesso demográfico desta espécie de entulho voador. É sinónimo de poluição, sujidade, desleixo e porcaria. Sem mais, simplesmente porcaria.

O pombo é o único ser que verdadeiramente me repugna. O único ser que consegue arrancar-me palavras de ódio e gestos de ira descontrolada. Nem categoria de animal merece, é uma miserável desculpa de existência. E não morrem, os sacanas. A malta queixa-se que o pão está caro, mas pelos vistos os senhores pombos, anafadinhos como andam, devem ter entregas especiais vindas de Mafra. 

Eu sei que não estou sozinha. Eu sei que há muito boa gente que oculta esta raiva animalesca pelas inefáveis criaturas, que guarda com vergonha um rancor indomável e uma louca vontade de estrafegar os seus pescocinhos pestilentos.

Engordam à custa de restos de carcaças distribuídos por quem não tem noção da verdadeira natureza destes monstros voadores. Além de portadores e transmissores de doenças contagiosas - como a raiva - propagam a imundice com bombas atómicas provenientes da sua "bazuca anal" (já diziam os saudosos "Mamonas Assassinas").

Carecas distraídas, almoços no Terreiro do Paço, carros novos ou com pinturas renovadas e qualquer estátua, monumento ou mastro erigido em nome da grandeza e sublimidade nacional são as tradicionais vítimas do flagelo causado por aquele ácido pastoso que é inversamente vomitado.

Ninguém está descansado. Eu atravesso sempre o Rossio a correr desalmadamente, não vá ser abençoada com uma suprema cagadela entre o Nicola e o Teatro D. Maria.

É hora minha gente. É hora de acabar com os pombos. Chega de toilettes arruinadas, de capôs queimados, de almoços temperados, de gelados com toppings especiais, de estátuas com cabeleiras viscosas e de monumentos grafitados por caca. Para quem não saiba, a lei (desta vez) está do nosso lado: em Lisboa, alimentar pombos em via pública é proibido e dá multa que pode ir até cem euros.

Por isso, da próxima vez que vir alguém lançar a mão com migalhitas para estes seres do inferno chamo a polícia. Raios, é que chamo a Europol se for preciso. E a TVI. A RTP também, que afinal de contas isto é um serviço público. Pode ser que venha a Catarina Furtado e tudo.

Tenho a certeza que há muita gente a pensar como eu. Diria mais: se em vez de touradas fossem "pombadas" não faltariam olés e seriam todas de morte.

A única advertência que tenho a fazer é o perigo de confusão entre pombos e rolas. Até podem ser fisionomicamente parecidos, mas comportam-se de maneira diametralmente oposta: são asseadas, respeitadoras e leais. Cuidam dos seus ninhos, da sua higiene, são reservadas e prezam a amizade.

Aqui há tempos apareceram-me umas quantas no beiral da janela da cozinha.  Assustavam-se cada vez que tentava abrir a janela para lhes dar arroz, mas com o tempo foram vencendo a desconfiança, até que se tornou num quotidiano enternecedor. Agora, sempre à mesma hora pela manhã, lá aparecem como que a pedir um grãozinho "se faz favor". Sinto-me num livro de Saint Exupery.

Estive uns dias fora e julguei que teriam debandado, cansadas da demora, à procura de melhores colheitas. Afinal de contas, quanto tempo se deve esperar por um punhado de arroz?

No dia seguinte ao meu regresso, acordei e ainda em camisa de noite espreitei pela janela para a gigantesca árvore que as alberga. Não foi preciso um minuto para virem pousar no beiral da janela da minha cozinha, como dantes. Até parecia que tinham saudades. De mim ou do punhado de arroz.


(uma das rolas que assentou no beiral da janela da cozinha)



De vez em quando aventura-se um pombo, a fingir que disfarça no meio delas. Leva logo uma chinelada.


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