Tenho três mãos cheias de histórias para contar e, na vertigem de as escrever, quase que me atropelo, engulo episódios, embrulho os detalhes, tal é a pressa do desfecho.
Calma.
Ora então cá vamos nós.
A minha primeira viagem ao estrangeiro foi a Barcelona. Estávamos em 1998 e quase quase no fim do liceu. Não fomos a Casteldefels, nem a Lloret de Mar, nem a nenhum dos outros típicos locais que levam os adolescentes à loucura, até porque a instituição onde estudava não se permitia a esses devaneios. Foi bastante mais pacato e mereceu inclusivamente uma voltinha por Monserrat.
Toda aquela viagem foi, para mim, fascinante. Língua diferente, moeda diferente (pré-euro), gentes e costumes diferentes, tudo era novidade, maravilhoso, fantástico. Nem as dezasseis horas que passámos dentro de um autocarro para lá chegar diminuíram a empolgação.
É impossível descrever Barcelona sem recorrer a lugares comuns. Não há relato que já não tenha sido feito sobre a sua beleza arquitectónica e urbanística, Gaudi, a Sagrada Família e por aí fora, de modo muito mais eloquente que alguma vez conseguirei.
Remetendo-me à minha insignificância, digo apenas: é uma cidade obrigatória.
Há uns anos, enquanto fazia escala vinda de Amesterdão, percorri as suas ruas numa daquelas camionetes para turistas. Desci ao pé da Marina. Subi as Ramblas. Estava decidido - havia de lá voltar.
Por isso, quando o meu primo me convidou a ir passar uns dias a sua casa, situada a dois quarteirões da Plaza de Catalunya, não hesitei:
- Primo, posso ir aí passar o ano novo?
- Estás à vontade, mas eu não vou cá estar... Quando for aí pelo Natal entrego-te a chave. Estou a partilhar a casa com um casal amigo, mas com eles é tranquilo.
Com primos assim, não me posso queixar da vida.
Desafiei a minha amiga de sempre, pronta para a aventura como eu, e lá fomos nós de corpinho bem feito "re-explorar" a cidade onde havíamos estado há cerca de catorze anos. Ui! Catorze?!? Às vezes esqueço-me que já tenho idade para contar histórias tão antigas.
Encontrar o apartamento não foi nada complicado. Tinha sido alertada que a fachada estava um pouco deteriorada... À conta disso confundi-o por um armazém abandonado.
Ainda tentei lá pôr a chave, mas não tive grande sucesso. Afinal o edifício era umas portas abaixo.
Teria sido boa ideia ter apontado o andar no papeleco da morada. Escada acima, fui experimentando a dita chave em todas as portas, numa filosofia de tentativa-erro. Já era para o tarde e não queria estar a incomodar o meu primo com a minha santa estupidez. Uma vez mais o sucesso não estava do meu lado. Tenho que experimentar ser mais sensata, para ver se resulta. À segunda volta lá me dei por derrotada e lá liguei ao meu primo. Era o 3º.
Os dias passaram-se placidamente passeando pelas Ramblas, Bairro Gótico, Parque Güell, Paseo de Gracia, perdendo-nos nas avenidas e nas ruelas cheias de cor e cheias de Gaudi. Barcelona parece ser feita de açúcar.
Foi numa dessas passeatas que avistámos uma magnífica pista de gelo, onde miúdos e graúdos se divertiam à brava em cima dos seus patins. Nem foi preciso falar.
- Bora?
- Bora.
E lá estivemos, mais ou menos meia hora, a deslizar pelo gelo qual artistas olímpicas. Admito que no início a coisa parecia que ia correr mal, a gravidade pregou-nos uns quantos sustos, mas nada que nos demovesse. Ninguém caiu e passado de dez minutos (talvez nem tanto) até já fazíamos piruetas.
Enfim, momentos a recordar.
A única coisa menos agradável foi o petardo fecal que um animal voador resolveu arremessar-me em pleno Parque Güell.
- Que linda a vista de Barc... SPLASH!... Que raios....!
Passei a mão pela testa e nos dedos vinha uma substância fria, achocolatada, meio granulada, meio liquefeita.
Quase chorei.
Assustei-me quando olhei para o ar enojado da minha amiga que parecia ter visto um zombie a comer um crânio.
- TIRA-ME ISTO DAQUI!
Abençoados lenços de papel! Nunca pensei agradecer tanto ao senhor da Kleenex.
Quase que aposto que foi um daqueles ratos-do-ar, para se vingar do meu manifesto anti-pombos que escrevi há uns meses. Ao menos falhou-me o cabelo, o sacana zarolho do pombo.
De resto, não me vou esquecer tão depressa das cañas nas Ramblas, do mercado das mil cores e sabores, das tapas com vista para a Sagrada Família e de passar a meia noite no meio de quarenta mil pessoas em plena Plaza de Catalunya. Faltou um pouco de fogo de artifício e talvez alguma animação, mas depois compensou-se na noite. Essa fica por contar.
Hasta la vista, Barcelona!
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