Há dias entrei numa das mais antigas pastelarias de Lisboa para comprar tabaco. Faço sempre uma certa cerimónia quando entro numa pastelaria só para comprar tabaco. É como pedir só um copo de água. Nunca me foi recusado (o tabaco, entenda-se, não tenho assim tanta lata), mas fico sempre com aquela sensação de que estou a abusar da boa vontade dos empregados. Não damos a ganhar nada à casa e ainda roubamos o precioso tempo do staff, que poderia estar a satisfazer os desejos requintados dos clientes gastadores e lucrativos.
Desde que inventaram aquelas máquinas de tabaco com comandos à distância ridículos a coisa ficou ainda mais absurda. É como se tivesse de pedir autorização ao "senhor do café" para fumar. E alguns ainda me dão aquele olhar do "tem a certeza?" Arre gaita, pois claro que tenho, aperte lá o botãozinho do comando, fachavor, para poder introduzir as moedinhas e exercer plenamente o meu livre arbítrio constitucionalmente protegido. Sem moralismos, já agora, que isso de ser moralista já está démodé.
Por este andar, qualquer dia é preciso uma declaração de idoneidade para comprar uma carteira de fósforos.
Por este andar, qualquer dia é preciso uma declaração de idoneidade para comprar uma carteira de fósforos.
A máquina estava distante do balcão e eu desesperadamente procurava o contacto visual de um dos empregados, atarefados na sua lufa-lufa, sem me aproximar muito da montra farta de bolos, salgados, miniaturas e sandes de panado. Não querendo induzir ninguém em erro nas minhas reais intenções, mantive-me a meio caminho entre o tentador balcão e a dita máquina na esperança que fosse suficiente para ser entendida.
Levanto o braço envergonhadamente.
"Olhe, desculpe..."
Nada.
"Sai uma bica!"
Olho para o outro empregado como se precisasse verdadeiramente de um copo de água. Ninguém me iria deixar morrer à sede.
"Olhe, se faz favor..."
Contacto visual. Estava safa.
"Podia..."
E aponto com o polegar para a máquina que estava atrás de mim, assumindo que estava a ser inteiramente compreendida. Descansei quando vi o "senhor do café" a retirar o comando do prego onde se encontrava pendurado.
Fez-me um olhar poderoso.
Fez-me um olhar poderoso.
"Podia mostrar-me o seu bilhete de identidade?"
Embasbaquei-me. Estava de fato e de facto embasbacada.
"Vá, desta vez passa..."
Não preciso de muito para sorrir.