Não sei de quem foi a ideia peregrina mas Lisboa está infestada com portas giratórias. São uma autêntica praga, tão má ou pior ainda que os pombos raivosos que ameaçam vorazmente as estátuas centenárias da capital e as carecas mais distraídas. São verdadeiros snipers da imundice e das doenças infecto-contagiosas. Qual macacos qual quê, os pombos foram os verdadeiros mensageiros da SIDA. Mas adiante.
Espanta-me que ainda ninguém tenha tido a coragem de questionar a real utilidade desse pseudo-sintoma de modernidade. Diz que nos países de clima muito frio ou muito quente servem para isolar a temperatura dos edifícios. Ou então para dissuadir os larápios mais desesperados. Ladrão que se preze planeia uma fuga razoavelmente eficaz, especialmente se de arma em punho e apetrechado de valores, enquanto um alarme grita desesperadamente. Confrontado com uma porta giratória em plena correria escapatória, um pobre ladrão mais não pode fazer que aguardar pela "sua vez", hesitantemente (como se fosse para saltar à corda) e depois caminhar compassadamente em sentido circular até chegar finalmente à saída. Quando se libertasse desse calvário electro-mecânico já teria seguramente alguém fardado à sua espera.
Mas Lisboa está longe de ser uma cidade de climas extremos e os assaltos hoje em dia fazem-se pela internet (já não há criminosos como antigamente). Nada explica a proliferação dessas artimanhas enfadonhas.
São um verdadeiro convite ao acidente. Primeiro, aquela hesitação inicial - "será que é a minha vez? arrisco? se calhar dou uma corridinha" - depois de entrar (se formos suficientemente dinâmicos), passamos àquele andar de procissão sem Santo, muitas vezes esmagados entre desconhecidos, rezando que acabe tudo depressa, que ninguém nos pise, nem tropece, nem recue; finalmente quando se sai, há que ter cuidado para não ficar com o pé de trás entalado (as sacanas das portas são traiçoeiras).
Não estou a exagerar. Quem ainda não esbarrou com a testa chapada no vidro da frente por se ter antecipado à velocidade da rotação? Quem ainda não tropeçou enquanto caminhava placidamente entre portas e temeu pela sua vida face à possibilidade de ser albarroado inadvertidamente por trás? Quem ainda não ficou entalado? E preso? E ter de aturar conversas privadas de desconhecidos durante os cinco segundos mais longos da história? E frustrado por ter uma reunião dali a trinta segundos e estar impedido de dar passos largos sem partir um vidro ou pontapear alguém?
No início temia essas portas. Entrar sem me magoar e sair com vida era o meu objectivo. Hoje em dia não lhes tenho qualquer respeito. Até as empurro com as mãos se for necessário (sou capaz disso e de muito pior).
A quantidade gente que eu já pisei e as trombadas que já dei entre portas giratórias poderiam dar azo a indemnizações milionárias, vivesse eu nos Estados Unidos da América.
Eu caminho depressa. Sempre caminhei. Caminhar devagar nunca me deu gozo algum, nem sequer a passear à beira-mar (mas que bela rima). Prefiro chegar o mais depressa possível ao destino, onde quer que seja, sentar-me e apreciar a vista. Nem para ver montras abrando. Ora, as portas giratórias são os antípodas deste conceito. E o pior é que parece que há pessoas que gostam da lenga-lenga rotativa. "Mais uma chapinha, mais uma voltinha". Quase que aposto que se pudessem ficavam horas e horas às voltas, tal é a alegria de entrar para o cilindro mágico. No fundo, é uma desculpa para não irem trabalhar, mais uns segundinhos a fazer tempo. Preguiçosos. As portas giratórias são um hino à preguiça. Por isso é que este País está no estado em que está.
Se há males na sociedade portuguesa são as portas giratórias. Acabem com elas.